O Bitcoin em uma Economia de Mercado
por Augusto Neves Dal Pozzo e Evane Beiguelman KramerAs criptomoedas ou moedas virtuais são um fenômeno que tem desafiado as noções fundantes acerca dos limites regulatórios do sistema financeiro mundial. Para aqueles que concebem como uma forma “descentralizada” de produção de “nova moeda”, elas simbolizam o alcance da “liberdade” e, portanto, “o ideal de mercado desregulado”.
Sob esta ótica (utópica ou distópica, a depender da concepção que se tenha sobre a liberdade de mercado), elas se apresentam como um pedaço de propriedade digital transferível a outro usuário da rede, presumivelmente seguro, que se presta à troca por bens ou serviços, assumindo a funcionalidade do dinheiro em espécie.
Baseados em plataformas tecnológicas do tipo blockchain, as moedas virtuais são comercializadas, para que, em tese, não seja necessária a interferência do Estado ou de instituições financeiras e, portanto, sem os custos da intermediação monetária.
Elas são qualificadas como “autônomas” ou “livres”, já que produzidas de maneira independente, não se encontrando subordinadas a um órgão específico (ao contrário das moedas físicas, cujo monopólio de produção é, no caso brasileiro, do Banco Central e da Casa da Moeda).
A relevância desse fenômeno é observada, por exemplo, em empresas cujo foco é o comércio online. Para tais companhias, aceitar pagamentos em moeda virtual representa a complementação de sua lucratividade, pois, segundo seus executivos, ela configura uma forma de pagamento segura, transparente e de baixo custo, com taxa de transação mais baixa do que a maioria dos cartões de crédito.
Todavia, a instituição das criptomoedas gera insegurança e dúvida. A primeira indagação é se representam, efetivamente, moedas ou se são alguma forma de protocolo, commodity ou bem imaterial indefinido, passível de apropriação.
Dentre as mais relevantes criptomoedas destaca-se o bitcoin. Ele foi concebido a partir de um grupo de discussão interessado em criptografia e concretizado por um programador de pseudônimo Satoshi Nakamoto, o qual ainda se mantém incógnito devido à utilização de sistemas de comunicação de dificílimo monitoramento e penetração.
O processo de criação do bitcoin é nominado garimpo, tal como acontece com o ouro, utilizando-se software de mineração digital. Após concebido, ele é lançado em um banco de dados aberto, mantendo-se, todavia, a privacidade dos usuários. A concepção do bitcoin é fundada na compreensão de uma moeda descentralizada, baseada em criptografia, tenuamente anônima, com baixas taxas financeiras e capacidade de interpenetração em todos os países do globo.
Em Israel, país que concentra grande número de empresas de tecnologia, o bitcoin é classificado como ativo tributável, sujeito a imposto sobre ganhos de capital e imposto sobre valor agregado, e não como moeda ou sistema de pagamentos. Embora as leis fiscais israelenses não reconheçam às criptomoedas a acepção dinheirista, as normas de Israel acenam para um enquadramento jurídico do bitcoin no mercado, tratando-os como ativos hábeis à troca por bens e serviços.
Desdobra-se outra questão relevante: o bitcoin sobreviverá a um regime de regulação de mercado? Como dito anteriormente, para aqueles que a conceberam de maneira descentralizada, o bitcoin simboliza o alcance da liberdade de mercado desregulado, onde cada indivíduo é responsável por seus atos e o sistema é teoricamente, seguro, honesto e lucrativo.
Nos Estados Unidos, algumas experiências protagonizaram a utilização de criptomoedas em atividades ilícitas e a exposição dos investidores a fraudes. Assim ocorreu a regulação deste mercado através do BitLicense, uma licença de negócio referente às atividades com moedas virtuais, emitida pelo New York State Department of Financial Services – NYSDFS. Essa licença (ou regulamento) aplica-se a todas as empresas que armazenam, controlam, compram, vendem ou transferem em bitcoins no âmbito da cidade de Nova York. O BitLicense define medidas de proteção contra a ação de hackers e previne o uso da moeda em atividades ilícitas, através da exigência de registro de todas as transações e monitoramento de operações superiores a 10 mil dólares.
No Brasil, o bitcoin não é considerado moeda em sua acepção jurídica, mas, igualmente, não é equiparada a ativos. A CVM, no Ofício Circular nº 1/2018/CVM/SIN, de 12.01.18, interpretou que as criptomoedas não podem ser qualificadas como ativos financeiros, não se submetendo ao artigo 2º, V, da Instrução CVM nº 555/14, e por essa razão, sua aquisição direta pelos fundos de investimento ali regulados não é permitida.
Todavia, do ponto de vista tributário, no Brasil, devem ser declaradas no ajuste anual de Imposto de Renda, pelo valor de aquisição, no campo “Bens e Direitos” ou “outros bens”. Como não possuem cotação oficial (uma vez que não há órgão responsável pelo controle de sua emissão), não há uma regra legal de conversão dos valores para fins tributários.
No mês passado, o bitcoin sofreu grave desvalorização decorrente da decisão de alguns países em proibir o seu comércio, justamente em face da dificuldade de se promover sua regulação. A problemática ganhou a imprensa mundial, com ainda mais intensidade, após a declaração de Warren Buffet, que registrou ter certeza de que isso terá um final ruim.
À luz da enorme diversidade de pontos de vista acerca dessa palpitante e novíssima questão, decorrente da necessária inovação tecnológica, a verdade é que atualmente o bitcoin possui natureza híbrida: não é dinheiro e nem ativo, mas se presta como “pagamento” ou simples “troca” por bens e serviços, permitindo, assim, a transferência e a circulação de riqueza. Parece ser essencial, nesse contexto, que o bitcoin, mesmo que ainda livre de regulação efetiva do Estado, possa atender aos reclamos do princípio da segurança jurídica incidente ao mercado e aos negócios privados em geral, de maneira que sua utilização possa ser confiável e promova um desenvolvimento econômico que gere bons resultados para seus detentores e para a sociedade.
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