O futuro das parcerias público-privadas após a COVID-19
por Augusto Neves Dal Pozzo | Renan Marcondes FacchinattoO que é fundamental nessa situação e que deve ser um primado recíproco: convergência!
Uma das principais tarefas do Direito é estabelecer preceitos fundamentais que permitam a convivência social e a subsistência da própria sociedade. É estabelecer normas que provejam estabilidade, previsibilidade e segurança para que se possam tomar decisões hoje que terão efeitos no futuro. De tempos em tempos, no entanto, um “cisne negro”, evento altamente imprevisível e de altíssimo impacto, ocorre e causa a total desestabilização da normatividade. Nesse momento, no entanto, é novamente ao Direito que se volta: também nele estão as regras que definem o que deve ocorrer em situações excepcionais, como a atual pandemia enfrentada pelo mundo, que não desfruta de limites fronteiriços.
Dentre os inúmeros impactos que se abatem inexoravelmente sobre a vida cotidiana, aqueles que atingem o exercício das muitas funções públicas têm especial destaque. E, dentre tais funções, uma das que mais sofre é aquela em que empresas e governos atuam em parceria para prestar serviços públicos e de infraestrutura, normalmente, com pesados investimentos de longo prazo: as parcerias público-privadas (aqui consideradas, as “concessões comuns” e também os modelos típicos de “concessão administrativa” e “concessão patrocinada”). O que será, então, que deverá ocorrer diante da imensurável ruptura do delicado equilíbrio desses contratos?
Talvez pela primeira vez desde a promulgação da Constituição e da edição de todas as normas que tratam de contratos públicos, está-se diante do que normalmente seria apenas um típico exemplo de manual de direito administrativo: uma situação pandêmica, global, que sequer depende de prova de ocorrência, e que, sem qualquer dúvida, corroerá o equilíbrio dos contratos vigentes. Todos sabem, a essa altura, que a Constituição e as leis procuram preservar tal equilíbrio. O que pouco se põe em evidência é que essa “benesse” está indissociavelmente ligada a um dever: assegurar a continuidade, a regularidade, a adequação, a modicidade das tarifas, a segurança e a atualidade da prestação do serviço. Ou seja, numa situação caótica como a presente, de um lado, os contratos de PPP necessitam preservação e, de outro, como regra, eles não podem sofrer interrupção.
Dessa forma, além de todos os ônus que recaem sobre o governo em tempos de crise para preservar a vida, a segurança e a incolumidade das pessoas, medidas imediatas de contingência podem e devem ser por ele consideradas, tais como, por exemplo, a revisão de metas, a aprovação mais eficiente de processos de revisão que encontram-se em tramitação, a renegociação de prazos ou obrigações de investimento e, por que não, a postergação ou até renúncia a recursos de outorga onerosa. Medidas como essa criariam, no contexto de cada contrato, um ambiente propício em que os parceiros privados tomem fôlego para, justamente, garantir que não haja solução de continuidade da prestação dos serviços.
E mais: se, de um lado, é natural e necessário que medidas excepcionais de restrição ao exercício das liberdades individuais sejam editadas e executadas pelos governos, de outro, é preciso sopesar bem a utilização de tais mecanismos em contratos de parceria público-privada. É fato: na crise, obrigações serão descumpridas e o serão, certamente, contra a vontade e o melhor esforço dos parceiros privados. Porém, de que adiantaria, numa situação como essa, por exemplo, utilizar a “mão pesada” do estado para punir? Esse é um momento que exige, de fato, que o rótulo “Parceria” seja interpretado e aplicado com o significado que, não raro, é deixado de lado: cooperação entre partes que, embora desejem realizar interesses próprios, estão ligadas a um interesse maior, que é a prestação adequada de serviços públicos. A expressão denota aquilo que é fundamental nesse tipo de ajuste e que deve ser um primado recíproco: convergência!
E, quando a crise acabar ou, ao menos, estiver sob controle, será preciso cumprir as leis como elas foram enunciadas para ser cumpridas: mediante prova do prejuízo, cada contrato precisará ser revisto para restabelecer seu equilíbrio, com base na boa-fé, na lealdade, na confiança legítima e na certeza de que todas a medidas que se concretizarem haverão sido adequadamente ponderadas pelo gestor público com base no conhecimento possível do hoje, e não no que se saberá quando as prestações de contas forem julgadas pelos órgãos competentes.
Do plano inegável de incertezas que vige hoje no mundo, uma certeza é inequívoca: é preciso levar a sério os impactos que os contratos concessórios encontram-se sofrendo, para que as decisões decorrentes de sua imprescindível continuidade sejam tomadas de maneira segura, individual, equilibrada, proporcional, de forma a garantir a cada um aquilo que sempre foi objeto da maior aspiração nessa valiosa relação: a proteção do interesse público e a salvaguarda dos interesses patrimoniais dos investidores. Não há outro caminho, a orientação segura em momentos pandêmicos é a necessária cautela para tomar decisões racionais, que encontrem supedâneo fático e jurídico, de forma a manter os contratos em sadia performance, evitando que a pandemia se converta em pandemônio!
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