A grande inovação que traz este dispositivo se encontra na previsão de que, ao suspender cautelarmente o processo licitatório, o Tribunal de Contas deverá pronunciar-se definitivamente sobre o seu mérito no prazo de 25 dias úteis e definir objetivamente “o modo como será garantido o atendimento do interesse público obstado pela suspensão da licitação, no caso de objetos essenciais ou de contratação por emergência”.
Pela leitura da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021), percebe-se claramente a preocupação do legislador com o tema do controle, especialmente em fortalecer sua incidência nas contratações públicas, a ser realizado em âmbito legislativo e administrativo.
Nessa direção, o artigo 169 da Lei determina que as contratações públicas deverão submeter-se “a práticas contínuas e permanentes de gestão de riscos e de controle preventivo” e institui três linhas de defesa, a seguir identificadas: (i) a primeira integrada por servidores e empregados públicos, agentes de licitações e autoridades que atuam na estrutura de governança do órgão ou entidade; (ii) a segunda integrada pelas unidades de assessoramento jurídico e de controle interno do próprio órgão ou entidade; e (iii) a terceira integrada pelo órgão central interno da Administração e pelo Tribunal de Contas. Trata-se da extensão à Administração Pública direta, autárquica e fundacional de regras do compliance já fixadas para as estatais.
A implementação das referidas práticas ocorrerá na forma estabelecida em regulamento a ser expedido e será de responsabilidade da alta administração do órgão ou entidade (§ 1º do artigo 169). Ademais, embora não haja menção no texto, caberá ao regulamento também estabelecer o papel de cada agente de controle nas distintas fases do processo, tendo em vista que o legislador não estabeleceu uma hierarquia entre as linhas de defesa, e nem em que momento cada um dos atores deve concretizá-lo.
Por sua vez, o § 2º do seu artigo 169 prevê que os órgãos de controle terão acesso irrestrito aos documentos e informações necessários ao desempenho de suas funções, tornando-se igualmente responsáveis pela manutenção de eventual sigilo. O § 3º desse mesmo dispositivo legal estabelece as medidas que os integrantes das linhas de defesa deverão adotar quando constatarem simples impropriedade formal ou irregularidade que configure dano à Administração.
Já o artigo 170 da Lei não apresenta novidades em relação ao regime anterior da Lei 8.666/93, pois, em um primeiro momento, prevê no caput e § 1º, § 2º e § 3º os critérios a serem adotados pelos órgãos de controle na fiscalização e as regras procedimentais a serem observadas. Tais critérios e regras já fazem parte da rotina dos órgãos de fiscalização e se encontram previstos em inúmeros Manuais de Fiscalização, bem como em Regimentos Internos. Posteriormente, estabelece no § 4º o direito de representação aos órgãos de controle interno e ao Tribunal de Contas competente contra irregularidades, o qual cabe a “qualquer licitante, contratado ou pessoa física ou jurídica”, o que também não caracteriza inovação.
Na sequência, o artigo 171, em seus incisos I, II e III, também fixa regras procedimentais que deverão ser observadas na fiscalização de controle; e nos seus § 1º, § 2º, § 3º e § 4º, estabelece um procedimento único a ser observado no caso de suspensão cautelar do processo licitatório pelos Tribunais de Contas, embora estes órgãos, em sua maioria, já possuam atos normativos disciplinando a matéria.
A grande inovação que traz este dispositivo se encontra, sem dúvida alguma, na previsão de que, ao suspender cautelarmente o processo licitatório, o Tribunal de Contas deverá pronunciar-se definitivamente sobre o seu mérito no prazo de 25 (vinte e cinco) dias úteis – prorrogável por igual período uma única vez –, e definir objetivamente “o modo como será garantido o atendimento do interesse público obstado pela suspensão da licitação, no caso de objetos essenciais ou de contratação por emergência”.
Observa-se, todavia, que o legislador mais uma vez desconsidera a natureza e finalidade das funções do controle ao atribuir-lhe o dever de definir “o modo como será garantido o entendimento do interesse público”. Ora, não é papel do controle decidir qual a solução é mais adequada no caso concreto, mas, sim, do gestor público. Os Tribunais de Contas não podem substituir o gestor na definição da melhor solução para o atendimento do interesse público.
Já o artigo 172, que vinha, desde a fase de tramitação do projeto lei recebendo inúmeras críticas acerca da sua constitucionalidade, pois previa que os órgãos de controle deveriam orientar-se pelos enunciados das súmulas do Tribunal de Contas da União relativos à aplicação da futura nova lei de licitações, sendo que a decisão que não acompanhasse determinada orientação deveria “apresentar motivos relevantes devidamente justificados”, foi vetado pelo Chefe do Executivo, sob o argumento de que, “em que pese o mérito da propositura, o dispositivo ao criar força vinculante às súmulas do Tribunal de Contas da União, viola o princípio da separação dos poderes (art. 2º, CF), bem como viola o princípio do pacto federativo (art. 1º, CF) e a autonomia dos Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 18, CF)”.
Por fim, o artigo 173 da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos determina que os Tribunais de Contas deverão, por meio de suas escolas de contas, “promover eventos de capacitação para os servidores efetivos e empregados públicos designados para o desempenho das suas funções essenciais à execução desta Lei, incluídos cursos presenciais e a distâncias, redes de aprendizagem, seminários e congressos sobre contratações públicas”. Tal dispositivo não representa qualquer inovação, tendo em vista que a maioria dos Tribunais de Contas já realiza treinamentos e capacitações para os servidores públicos, bem como já promove eventos sobre contratações públicas.
Diante desse breve panorama dos aspectos concernentes ao controle das contratações públicas na Nova Lei de Licitações, resta manifesto a preocupação do legislador no aperfeiçoamento dessa atividade, que depende, fundamentalmente, de uma correta compreensão do papel dos órgãos de controle em suas atribuições, especialmente o foco preventivo, para evitar que situações já consolidadas sofram invalidações que arrepiem a segurança jurídica das contratações públicas. É fundamental que gestores públicos e privados responsáveis por contratos públicos tomem as medidas preventivas e redutoras de risco para que os ajustes possam ser levados a bom termo, exigindo enorme acuidade e acompanhamento detalhado das equipes responsáveis nesse sentido.