O Regime Transitório da Nova Lei de Licitações e Contratos (Lei 14.133/2021)
O Regime Transitório da Nova Lei de Licitações e Contratos (Lei 14.133/2021)
por Ana Cristina Fecuri e Giullie Naomi FutenmaO fato de existir um posicionamento bem definido a respeito do tema no âmbito Tribunal de Contas da União exigirá atenção por parte da Administração e dos licitantes, quanto às datas de instauração do processo licitatório, publicações dos editais e aos regimes escolhidos para regência dos atos, a fim de mitigar futuros questionamentos por parte das Cortes de Contas.
Com a publicação da Lei 14.133/2021, entra em vigor a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, que possui efeitos imediatos, embora traga em seu bojo um regime jurídico transitório, conforme dispõe o artigo 193, inciso II, da norma. A Nova Lei coexistirá por um prazo de 2 anos com a Lei nº 8.666/1993, a Lei de Pregão (nº 12.462/2011) e com as disposições contidas nos artigos 1º a 47-A da Lei de RDC, as quais permanecerão vigentes por esse período.
Trata-se de situação bastante atípica, sobretudo porque o período de vacatio legis, vale dizer, o período entre a data da publicação de uma lei e sua entrada em vigor, destina-se justamente a possibilitar o conhecimento e assimilação do conteúdo da nova norma legal e a realização das devidas e necessárias adaptações, permanecendo em vigor a lei antiga durante esta vacância.
Haverá uma única exceção em relação ao regime transitório: os artigos destinados aos crimes (arts. 89 a 99) e ao processo e procedimento judicial (arts. 100 a 108) da Lei nº 8.666/93 perderam a vigência com o ingresso da nova Lei no ordenamento jurídico, conforme art. 193, inciso I. Em princípio, portanto, os agentes públicos e contratados, ainda que sujeitos ao regime da Lei nº 8.666/93, responderão criminalmente pelas condutas típicas praticadas conforme o disposto na Nova Lei de Licitações e no capítulo II-B do Código Penal (Dos crimes em licitações e contratos administrativos).
Regra geral, e da forma como previsto pelo legislador ordinário, ambos os regimes jurídicos permanecerão vigentes e com força vinculante, cabendo ao administrador optar por aquele que melhor lhe favoreça, explicitando motivadamente a escolha realizada, nos termos do artigo 191 do novo Estatuto, lembrando-se que se encontra expressamente vedada a aplicação combinada das leis. O prognóstico em relação ao procedimento adotado não é dos melhores, justamente porque trará dificuldades administrativas, embaraços gerenciais e insegurança jurídica para todos os envolvidos no processo de contratação pública.
Vale anotar ainda que, segundo o artigo 190 da Nova Lei, os contratos assinados antes da publicação da Nova Lei de Licitações deverão seguir o regime da lei revogada. Trata-se de respeito ao ato jurídico perfeito, preconizado pelo artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, e ao disposto no artigo 6º, da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro.
O parágrafo único do artigo 191 da Lei nº 14.233/2021, por sua vez, estabelece que o contrato a ser celebrado entre as partes deverá ser cumprido nos exatos termos da Lei escolhida para o seu nascimento, de modo a regular os seus efeitos. Explica-se: se, durante período de dois anos a que alude o artigo 193, inciso II, da nova Lei, o regime eleito para reger o processo licitatório for o da Lei 8.666/93, o decorrente contrato administrativo também estará sujeito à disciplina contida nesta legislação até o final de sua execução. Nada mais correto, já que todo o processo licitatório foi desenvolvido com observância ao regime anterior adotado, e os atos e fases praticados na fase interna e externa do processo necessariamente subsidiarão a interpretação e cumprimento do contrato e a sua execução.
Disto também resulta o fato de que, apesar de a Lei prever um prazo de dois anos de vigência das leis licitatórias anteriores, estas permanecerão produzindo efeitos para além do prazo transitório, dada a possibilidade de os ajustes serem firmados somente após o decurso deste prazo, desde que, evidentemente, o processo licitatório tenha sido iniciado dentro do período de transição.
Questão de relevo está voltada para a definição do momento em que será considerada iniciada a licitação para o fim específico de contagem desse biênio, vale dizer, se da abertura do processo administrativo ou da publicação do edital. O Tribunal de Contas da União, ao examinar questão de mesmo conteúdo no âmbito da Lei nº 13.303/2016, que possuía um regime de transição semelhante ao da nova Lei de Lei de Licitações, posicionou-se, por meio do acórdão nº 2279/2019, de relatoria do Ministro Augusto Nardes, no sentido de que a publicação do edital seria o marco a ser considerado para esta finalidade específica, ainda que o início da fase interna do processo licitatório tivesse iniciado antes da data estabelecida no artigo 91 da referida Lei das Estatais. O argumento lançado para subsidiar este entendimento foi de que não se poderia dar uma interpretação ampliativa para o referido dispositivo legal, sob pena de permitir que o período de transição legalmente previsto fosse ultrapassado, tornando-o indeterminado.
Se a orientação da Corte de Contas Federal ora colacionada prevalecer também para a hipótese prevista no artigo 193, inciso II, da nova Lei das Licitações e Contratos Administrativos, a Administração somente poderá adotar o regime anterior para os editais que efetivamente forem publicados durante o biênio legalmente previsto em lei.
Não se pode perder de vista, todavia, que o inciso II do artigo 193 deve ser interpretado em consonância com as demais disposições legais da Lei nº 14.133/2021, os quais expressamente reconhecem a existência de um processo licitatório composto de etapas interna e externa, encerrando, inclusive, as discussões acadêmicas sobre as etapas que compõem o processo licitatório. Logo, a etapa preparatória não poderá ser tratada à parte do processo licitatório, sobretudo porque passa a integrar o rito procedimental licitatório que culminará na futura contratação. Esse novo olhar legislativo dado ao processo licitatório não poderá ser desconsiderado pelo Tribunal de Contas quando eventualmente foi instado a revisitar a matéria.
Em que pese as nuances acima apresentadas exigirem uma reanálise da matéria, o fato de existir um posicionamento bem definido a respeito do tema no âmbito Tribunal de Contas da União exigirá atenção por parte da Administração e dos licitantes que eventualmente participem do certame, notadamente quanto às datas de instauração do processo licitatório, publicações dos editais e aos regimes escolhidos para regência dos atos, a fim de mitigar futuros questionamentos e glosas por parte das Cortes de Contas.
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