O novo processo licitatório à luz da Lei 14.133/21

O novo processo licitatório à luz da Lei 14.133/21

O novo processo licitatório à luz da Lei 14.133/21

por André Paulani Paschoa e Vivian Semer

Outra previsão importante e atual é a de que os atos do processo licitatório serão, preferencialmente, eletrônicos. Ainda que já houvesse essa previsão, agora fica clara a necessária preferência por eles. Após o ano de 2020, com a pandemia do novo Coronavírus, os meios eletrônicos ficaram em maior evidência, uma previsão assim no novo texto da lei de licitações é reflexo das mudanças que ocorreram ao redor do globo, acelerando um processo de virtualização que já existia, inclusive nas licitações.

O texto da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021) apresenta interessantes alterações com relação à Lei nº 8.666/93. De início, e o que tem chamado mais a atenção, são antes as alterações de organização e uniformização de jurisprudências do que o conteúdo inovador propriamente dito. Quer dizer, a nova lei pretendeu mais organizar e positivar jurisprudências consolidadas por órgãos de controle — e ainda atualizar obsolescências decorrentes dos quase 30 anos de lei — e menos trazer ineditismo ao regime jurídico de contratações públicas.
Nessa linha, o Título II, Capítulo I (Do Processo Licitatório) da nova lei é um interessante acréscimo organizacional, vez que o texto anterior não possuía divisão para o processo em si, limitando-se a previsões normativas esparsas para definir e estabelecer as regras a serem seguidas no procedimento da fase interna do certame. Procedimentalizar a licitação tem o potencial benefício de evitar discricionariedades indevidas.
Além disso, a despeito da miríade de princípios arrolados na nova lei, deve ser aplaudida a menção expressa ao objetivo de “assegurar a seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajosa para a Administração Pública, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto” (artigo 11, inciso I). Tal objetivo é, efetivamente, o mais importante de todo o processo licitatório, é para isso que ele existe.
Já o artigo 12 prevê em seu inciso III, como aludido anteriormente, aquilo que a jurisprudência de Tribunais de Contas e Judiciário têm reiteradamente demonstrado: a importância do princípio do formalismo moderado. A positivação de tal princípio foi realizada nestes termos: “o desatendimento de exigências meramente formais que não comprometam a aferição da qualificação do licitante ou a compreensão do conteúdo de sua proposta não importará seu afastamento da licitação ou a invalidação do processo”. É mais um passo para desafogar burocracias que ainda caracterizam os procedimentos públicos no país, em linha com a correta compreensão de que a licitação não é um jogo em si mesmo, dando-se relevância a sua finalidade em detrimento de sua instrumentalização.
Como não poderia deixar de ser, a amplitude do termo “exigências meramente formais” impõe ao administrador público responsável pelo processo licitatório compreender quando uma falha na proposta pode ser corrigida ou não. Evidente, contudo, que se abre margem para que, mesmo com uma inovação bem-vinda como essa, sejam facilitadas decisões convenientes para o administrador que, indevidamente, promovam inclinação para um ou outro licitante, evitando-se a nefasta ocorrência de desvio de poder. Os órgãos de controle precisarão estar aptos a fulminar a má aplicação desse princípio.
Outra previsão importante e atual é a de que os atos do processo licitatório serão, preferencialmente, eletrônicos. Quer dizer, ainda que já houvesse a previsão da possibilidade de serem eletrônicos, agora fica clara a necessária preferência por eles. É claro que após o ano de 2020, com a pandemia do novo Coronavírus que assolou o mundo, os meios eletrônicos ficaram em maior evidência, de forma que haver uma previsão assim no novo texto da lei de licitações é importante reflexo das mudanças que ocorreram ao redor do globo, acelerando um processo de virtualização que já existia, inclusive nas licitações.
Além da preferência por licitações eletrônicas, cumpre destacar outras duas regras apresentadas no capítulo da lei sobre o processo licitatório que caminham no sentido de atualizar os certames públicos: a ordem de abertura dos documentos e a participação em consórcio.
A partir do novo texto, a “inversão de fases” no processo licitatório passa a ser a regra, de forma que a proposta será primeiramente aberta, e apenas o licitante vencedor terá os documentos de habilitação analisados pela Administração. Essa previsão replica o formato das últimas legislações sobre licitação no Brasil, evitando o desperdício de tempo do ente público licitante que passava pela análise de habilitação de todos os concorrentes, para, então, passar às propostas.
Outra alteração positiva: a possibilidade de participação em consórcio vira regra, e a sua proibição deve ser motivadamente justificada. É mais uma previsão que caminha conjuntamente à realidade do mercado — as licitações de grande vulto, e.g., raramente apresentam concorrentes isoladas, sendo a associação em consórcio um instrumento largamente utilizado para unir forças na participação em licitações e contratações públicas. Essa aliança empresarial é sempre muito salutar, pois permite que um número maior de empresas participe de um quinhão da contratação pública, em linha com um desenvolvimento econômico integrativo e solidário.
Já nos encaminhando para o final destes comentários, o artigo 19 prevê que órgãos da Administração com competências regulamentares relativas à administração de materiais, obras e serviços, devem almejar a uniformização de editais e minutas de contratos, a fim de que os procedimentos sejam centralizados, as compras sejam catalogadas e padronizadas e que haja um sistema informatizado para monitoramento e controle interno.
A previsão busca, de forma expressa, maior organização e centralização da documentação, justamente visando à eficiência dos procedimentos internos dos órgãos públicos, tornando oficialmente padronizadas os tipos de contratação. É um mecanismo de aperfeiçoamento dos instrumentos licitatórios, com otimização do tempo dos agentes envolvidos e de recursos públicos. Padronizados os documentos da licitação, com seus anexos, temos algo como verdadeiros precedentes administrativos, que enrijecem a segurança jurídica e a confiança a ser depositada no ente contratante, sendo que sua alteração depende de motivação robusta do caso concreto. Para tanto, deverá a Administração Pública se organizar com banco de dados e sistemas que possam auxiliar nesse aparelhamento de padronização e otimização das contratações públicas.
Após esse breve panorama das previsões iniciais referentes ao processo licitatório da Lei nº 14.133/2021, é possível perceber poucas inovações materiais, com maior tentativa do legislador de uniformização, centralização e ganho de eficiência na consecução dos certames. A aprovação da Lei de Licitações ensejará novos debates acerca da interpretação de suas diretivas que já estavam, inclusive, consolidadas nos bancos jurisprudenciais, na expectativa de que possamos aperfeiçoá-las e com isso, aumentar a competitividade do mercado e as oportunidades de negócios granjeadoras de maior benefício à coletividade.

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