Moralidade Administrativa: O Dever da Honestidade

Moralidade Administrativa: O Dever da Honestidade

Moralidade Administrativa: O Dever da Honestidade

por Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo

“O respeito à confiança legítima dos administrados deve ser o atual conteúdo do princípio da moralidade administrativa”

 

O dever de honestidade previsto no art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa decorre do princípio da moralidade administrativa, previsto na norma constitucional, sobre cujo conteúdo reina grande discordância.

De pronto, não nos filiamos àqueles que conferem ao princípio da moralidade administrativa conteúdo moral ou ético.

Historicamente, esse princípio foi introduzido no Direito Administrativo Francês por Maurice Hauriou, a fim de ensejar que o Conselho de Estado de França pudesse examinar aspectos do mérito do ato administrativo, que estavam cobertos pelo princípio da legalidade. A moral administrativa de que falava o mestre de Toulouse consistia na prática de ato administrativo com abuso ou desvio do poder.

Todavia, sob esse aspecto da moralidade administrativa, de que falava Hauriou, já havia sido aceito pela doutrina, e o ingresso na análise do mérito do ato administrativo pelo Poder Judiciário, mesmo antes de 1988.

O Estado de Direito trouxe novos fundamentos e novos instrumentos para análise dos atos administrativos, incorporados aos princípios constitucionais (explícitos ou implícitos), de maneira a modernizar e atualizar o conteúdo do princípio da moralidade.

Dentre esses elementos constitutivos do Estado de Direito, merece destaque o princípio da confiança legítima do administrado. Eis o pensamento de Gabriel Valbuena Hernandéz: “Por todo o exposto, o fato de que este princípio não se encontre regulado de forma explícita não obsta que as autoridades cumpram a obrigação de oferecer proteção às expectativas plausíveis dos administrados. Afinal essa é uma exigência mínima que deriva dos mais elementares postulados da ética pública e da moralidade administrativa”.

Esse princípio está a impedir que quaisquer dos Poderes de Estado possam introduzir modificações normativas, critérios de julgamento e posturas em sentido diametralmente oposto ao que vinham adotando, sem respeitar a confiança que despertaram no cidadão. Essa mudança, caso seja realizada, deve ser promovida de maneira paulatina, de sorte a não causar uma injustiça abrupta.

O respeito à confiança legítima dos administrados, portanto, deve ser o atual conteúdo do princípio da moralidade administrativa, que, assim, supera a sua antiga concepção francesa e muitos dos entendimentos pretorianos ainda existentes. Nesse sentido, a causa de pedir, para a imputação de infringência ao dever de honestidade, precisa evidenciar que o ato contraria, dolosamente, a confiança legítima dos administrados.

Rua Gomes de Carvalho, 1510 – 9º andar
04547-005 – Vila Olímpia – São Paulo
Telefone: +55 11 3058-7800

SHS Quadra 06 – Conjunto A – Bloco E – Sala 1411
70316-000 – Edifício Brasil 21 – Brasília DF
Telefone: +55 61 3033-1760

Moralidade Administrativa: O Dever da Honestidade

Administrative Morality: the duty of honesty

Administrative Morality: the duty of honesty

by Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo

“The respect for the legitimate trust placed by those subject to the public administration should be the current content of the principle of administrative morality”

 

The duty of honesty, established in Art. 11 of the Law on Administrative Improbity derives from the principle of administrative morality, present in the constitutional norm, about whose content there is great disagreement.

At first, we are not aligned with those who give the principle of administrative morality a moral or ethical content.

Historically, this principle was introduced in the French Administrative Law by Maurice Hauriou, to allow for the State Council of France to examine aspects regarding the merit of the administrative act, which were covered by the principle of legality. The administrative morality of which the master of Toulouse spoke consisted in the practice of the administrative act with abuse or misuse of power.

However, this aspect of administrative morality, of which Hauriou spoke, had already been accepted by the doctrine, with the inclusion of the analysis of the merit of administrative acts by the Judiciary Power, even before 1988.

The Rule of Law brought new foundations and new instruments for the analysis of administrative acts, incorporated in the constitutional principles (explicit or implicit), in such a way as to modernize and update the content of the principle of morality.

Among these constituent elements of the Rule of Law, the principle of legitimate trust placed by him who is subject to the public administration must be emphasized. Consider the words by Gabriel Valbuena Hernandéz: “For all of the above, the fact that this principle is not explicitly regulated does not preclude authorities from complying with the obligation to provide reasonable protection to the expectations of the those who are subject to the public administration. After all, this is a minimum requirement that derives from the most basic postulates of public ethics and administrative morality“.

This principle exists to prevent any of the Powers of State from introducing regulatory modifications, judgment criteria and points of view in a direction diametrically opposite to that they had been adopting, without respecting the trust that they received from the citizen. This change, if carried out, should be promoted gradually, so as not to cause any abrupt injustice.

The respect for the legitimate trust placed by those subject to the public administration, therefore, must be the current content of the principle of administrative morality, which, thus, surpasses its former French design and many of the praetorian understandings still in force. In this sense, any proceeding demanding the imputation of violations to the duty of honesty, must demonstrate that the act contradicts, intentionally, the legitimate trust placed by those subject to the public administration.

Rua Gomes de Carvalho, 1510 – 9º andar
04547-005 – Vila Olímpia – São Paulo
Telefone: +55 11 3058-7800

SHS Quadra 06 – Conjunto A – Bloco E – Sala 1411
70316-000 – Edifício Brasil 21 – Brasília DF
Telefone: +55 61 3033-1760

A Legitimidade Política do Poder Judiciário

A Legitimidade Política do Poder Judiciário

A Legitimidade Política do Poder Judiciário

por Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo

“Os integrantes do Poder Judiciário não adquirem legitimidade política pelo voto – mas por outros sistemas de investidura originária, destacando-se o concurso público de títulos e provas”

 

Em 19 de novembro de 1863, o então Presidente Abraham Lincoln proferiu um dos seus mais famosos discursos, em Gettysburg, local de sangrenta batalha durante a Guerra de Secessão: “that we here highly resolve that these dead shall not have died in vain, that this nation under God shall have a new birth of freedom, and that government of the people, by the people, for the people shall not perish from the Earth”. Lincoln acabava de conceituar, de modo preciso e sintético, o regime democrático – “o governo do povo, pelo povo e para o povo”.

O Brasil é uma democracia: “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”.

A eleição por sufrágio direto, universal e secreto, em democracia indireta como a nossa, consiste no sistema de investidura política dos representantes do povo em seus cargos. Essa investidura é que confere aos eleitos legitimidade política para o exercício de seu mandato, do qual, todavia, podem ser destituídos, nos casos previstos na Constituição Federal.

Contudo, os integrantes do Poder Judiciário não adquirem legitimidade política pelo voto – mas por outros sistemas de investidura originária, destacando-se o concurso público de títulos e provas.

Portanto, sua legitimidade política não decorre da forma de investidura (que ocorre sem participação popular). Mas, mesmo assim, os magistrados representam o povo, quando no exercício de suas funções como Poder de Estado.

Inquestionável a supina importância da atuação do Poder Judiciário como instância máxima de salvaguarda dos valores constitucionais e de solução de controvérsias, contribuindo decisivamente para o equilíbrio e estabilidade das relações sociais.

É a aceitação popular, que dá aos membros do Poder Judiciário a sua legitimidade política. Ela advém da plena sintonia com os valores vigentes para a maioria da população. Valores e princípios que interferem decisivamente na exegese e aplicação das normas jurídicas. A dissintonia se verifica, especialmente, quando o sentimento popular constata a eventual quebra da imparcialidade ou mesmo a assunção de posições altamente discutíveis, juridicamente.

Nos dias de hoje, estamos assistindo abertamente manifestações bipolares de sacralização e de desmedido desagrado por determinados magistrados. Ambas são graves, mas a última é mais preocupante e merece reflexões, pois rapidamente pode contaminar a legitimidade política do Poder Judiciário, num regime democrático com poucos e ineficientes mecanismos de correção.

Rua Gomes de Carvalho, 1510 – 9º andar
04547-005 – Vila Olímpia – São Paulo
Telefone: +55 11 3058-7800

SHS Quadra 06 – Conjunto A – Bloco E – Sala 1411
70316-000 – Edifício Brasil 21 – Brasília DF
Telefone: +55 61 3033-1760

A Legitimidade Política do Poder Judiciário

The political legitimacy of the Judiciary

The political legitimacy of the Judiciary

by Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo

“The members of the Judiciary do not acquire political legitimacy by being voted – but by means of other legitimating systems, such as a public entrance exam”

 

On November 19, 1863, then President Abraham Lincoln delivered one of his most famous speeches, in Gettysburg, the site of a bloody battle during the American Civil War: “that we here highly resolve that these dead shall not have died in vain, that this nation under God shall have a new birth of freedom, and that a government of the people, by the people, for the people shall not perish from the Earth”. Lincoln had just defined, precisely and synthetically, the democratic regime – “the government of the people, by the people and for the people”.

Brazil is a democracy: “All power comes from the people, that exercises it directly, or by means of elected representatives”.

The election, carried out via direct, universal and secret vote, in an indirect democracy such as ours, consists of a system of political endowment to the representatives in their positions. This endowment is what gives the elected representatives the political legitimacy to carry out their mandate, which they can lose in the cases anticipated in the Federal Constitution.

However, the members of the Judiciary do not acquire political legitimacy by being voted – but by means of other legitimating systems, such as a public entrance exam.

Therefore, their political legitimacy does not derive from the political endowment of an election (which occurs without popular participation). Nevertheless, magistrates represent the people when in the exercise of their functions, representing the Power of the State.

The importance of the Judiciary, as the highest instance to protect and safeguard the constitutional values and to settle disputes, is unquestionable, making a decisive contribution to the balance and stability of social relations.

It is this acceptance by the people that gives the Members of the Judiciary their political legitimacy. It comes from a complete harmony with the prevailing values for the majority of the population. Such values and principles interfere decisively in the exegesis and application of legal norms. When there is an overall feeling among the people that the principle of impartiality has been broken, or when highly questionable positions, from a legal point of view, are taken, then that harmony is broken.

We are currently witnessing openly bipolar feelings towards some magistrates: some are placed on an altar; others receive rampant disapproval. Both are serious, but the latter is more worrying and deserves deeper consideration, because it can quickly contaminate the political legitimacy of the Judiciary, in a democratic regime with few and inefficient mechanisms of correction.

Rua Gomes de Carvalho, 1510 – 9º andar
04547-005 – Vila Olímpia – São Paulo
Telefone: +55 11 3058-7800

SHS Quadra 06 – Conjunto A – Bloco E – Sala 1411
70316-000 – Edifício Brasil 21 – Brasília DF
Telefone: +55 61 3033-1760

Respeito aos Princípios da Proporcionalidade, da Necessidade e da Adequação na Aplicação da Lei da Improbidade Administrativa

Respeito aos Princípios da Proporcionalidade, da Necessidade e da Adequação na Aplicação da Lei da Improbidade Administrativa

Respeito aos Princípios da Proporcionalidade, da Necessidade e da Adequação na Aplicação da Lei da Improbidade Administrativa

por Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo

“A medida produz efeitos devastadores sobre pessoas inocentes e toda uma estrutura econômica que deve ser protegida”

 

Dois diplomas legais buscam responsabilizar a pessoa jurídica de direito privado em caso de ato ilícito que envolva o Poder Público: a Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) e a Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa). Todavia, sua incidência ocorre em campos diferentes: a primeira exige a atuação de particulares sem ciência ou participação de servidor público, ao passo que, para a segunda, essa ciência ou participação é fundamental. Outra diferença essencial está em que a Lei Anticorrupção adota a responsabilidade objetiva para as pessoas jurídicas de direito privado, enquanto a Lei de Improbidade Administrativa consagra a responsabilidade subjetiva.

O objeto destas breves considerações é a Lei de Improbidade Administrativa, que nos oferece dois elementos a serem equacionados: (i) a natureza das sanções impostas às pessoas jurídicas no art. 12 da Lei de Improbidade Administrativa, dado que algumas são patrimoniais (perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; ressarcimento integral do dano; multa civil) e outras representam interdições de direito (proibição de contratar com o Poder Público e proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente); e (ii) a própria dicção do art. 3º (“As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.”).

Em face da norma acima, a pergunta é simples: basta que a pessoa jurídica de direito privado se beneficie do ilícito para ter legitimidade passiva quanto às sanções de interdição de direitos?

Se um dos vários sócios de empresa de responsabilidade limitada induz ou concorre para que servidor pratique ato de improbidade administrativa é o suficiente para que a empresa sofra restrições de direito?

Não temos dúvida de que a resposta é negativa – porque há uma enorme desproporção entre a real vontade (embora fictícia) da empresa e o castigo recebido. A medida produz efeitos devastadores sobre pessoas inocentes e toda uma estrutura econômica que deve ser protegida.

É claro que a empresa responderá pelos efeitos patrimoniais do ato ilícito do sócio, o qual, por sua vez, responderá perante a sociedade de acordo com as regras da responsabilidade extraordinária dos sócios.

A sociedade terá legitimidade passiva para as interdições de direito se a maioria dos sócios atuou ou tem ciência do comportamento de seu preposto (formal ou informal), o qual induziu ou concorreu para a prática do ato de improbidade administrativa pelo servidor. Essa circunstância poderá decorrer da própria habitualidade do comportamento societário na indução ou concurso para a prática de ato de improbidade administrativa. Ou mesmo de uma verdadeira estrutura societária para a prática desses atos ilícitos. Numa palavra: sendo a pessoa jurídica uma ficção jurídica e se expressando por pessoas físicas, será preciso muita cautela para avaliar se essas pessoas físicas expressam a vontade da sociedade como um todo. Somente assim estaremos obedecendo ao princípio da proporcionalidade, da necessidade e da adequação.

Fora daí, estaremos no campo do summum ius, summa iniuria.

Rua Gomes de Carvalho, 1510 – 9º andar
04547-005 – Vila Olímpia – São Paulo
Telefone: +55 11 3058-7800

SHS Quadra 06 – Conjunto A – Bloco E – Sala 1411
70316-000 – Edifício Brasil 21 – Brasília DF
Telefone: +55 61 3033-1760